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ARTIGO – AUTORRECONHECER-SE (PROF. ROBERTO MACHADO)

Data: 07 de novembro de 2018

Amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca.

(Clarice Lispector)

A citação de Clarice Lispector, da qual me aproprio para iniciar esta reflexão, evidencia uma urgência para a nossa sociedade, hoje tão marcada por polarizações e falta de empatia. A escritora, em sua crônica As três experiências, reapresentou a máxima cristã, embora ela mesma nunca professasse esta ou aquela fé. É porque amar é uma experiência tão profunda que não pode limitar-se a espaços, condições, filosofias. Foi essa dimensão profunda de sair de si, que mobilizou tantos homens e mulheres ao longo da História e que, neste tempo, torna-se impostergável.

A experiência de amar advém, essencialmente, da empatia, que deve ser o nosso norte, independentemente se professamos ou não uma fé. Em algumas andanças, já tive a oportunidade de conhecer pessoas que se diziam ateias, mas que eram cheias desse Amor de Deus. Para uma delas, lembro-me bem de ter comentado: “Continue com o seu ateísmo. Ele tem muito a me ensinar…” Eu acompanhava a Pastoral da Saúde e a forma como aquela enfermeira olhava seus pacientes era de uma ternura desconcertante. A enfermeira era uma ateia, paradoxalmente, cheia de Deus. Assim, viver a dimensão do Amor que nos foi proposta pelo rabi da Galileia rompe os limites de sectarismos e discursos.

Numa sociedade marcada pela riqueza da diversidade étnica, cultural, religiosa e de orientações múltiplas,  não há outro caminho para o desenvolvimento, social e humano, senão o da tolerância. Mas, como nos tornamos tolerantes? Aqui, eu ouso oferecer duas pistas: uma para quem se afirma cristão e outra para quem não professa nenhum credo. No final, esses vieses se mesclam, porque, invariavelmente, um está conectado ao outro. Pensemos juntos.

Quem é cristão, assume, como perspectiva de vida, a diretriz de Jesus, mestre, caminho, verdade e vida! Ser cristão é ser de Cristo, é assumir um compromisso com a cruz, outrora sinal de morte. Hoje, salvação! Assim, o cristão, por uma questão de identidade, deve ser tolerante e empático. O Evangelho (boa notícia) de Jesus nos apresenta muitas situações em que o Mestre exemplificou essa tolerância, legando-nos o Amor-Serviço como sinal de adesão ao seu Projeto de Vida. É no encontro com as pessoas que percebemos a marca indelével de sua ternura, amor e compaixão. Vale lembrar aqui aquele encontro que levou a salvação à casa do cobrador de impostos (LC 19, 1-10), que devolveu a dignidade a Maria de Magdala (LC 7, 36-50), que bebeu da mesma água da samaritana (JO 4, 1-27) e que abriu as portas do paraíso para o ladrão arrependido (LC 23, 32-43).

É impossível para um cristão passar incólume pelo sofrimento alheio, ser indiferente à dor, às dificuldades do outro. Essa empatia deve nos mobilizar. Agregada a ela está a tolerância. E esses dois sentimentos nos projetam na busca pelo Sagrado que há no outro. Quer queiramos ou não, quer aceitemos ou não, o outro – independentemente de sua forma de pensar, sentir, amar, relacionar-se com o Sagrado – é nosso irmão! É esse o ensinamento maior do Cristo de Deus: eu posso aprender com o outro. E aqui vale também para os não-cristãos: a dor do outro pode, amanhã ou depois, ser minha. O comportamento que eu tanto abomino no outro pode, um dia, marcar presença dentro da minha casa. Esse exercício de tolerância permite-nos um crescimento interno profundo, mesmo para aqueles que não professam nenhuma fé.

Com efeito, amar os outros é a única salvação que está a nosso alcance. É uma experiência gratuita, genuinamente humana! Nascemos para amar! E nesta sociedade com tanta diversidade de ideias, costumes, comportamentos, esse é um convite que nos mobiliza a viver: amemo-nos. Não me refiro aqui a um sentimento piegas, marcado pela coisificação e utilitarismo. Não! O amor que nos salva é o amor gratuito, aquele que se manifesta pela tolerância, empatia, desejo sincero de ver o outro bem, feliz, com saúde, abundância e em paz. Um amor que às vezes é puro silêncio, sem discursos. É o amor do olhar que cura, edifica, ilumina!

É esse sentimento que nos deve marcar a postura, num tempo em que as intolerâncias crescem e criam muros, segregam, rotulam, apontam… No mistério da Vida, só um ser humano pode salvar outro ser humano. Assim, só pelo amor nos reconhecemos irmanados e copartícipes de tudo que nos cerca. Por isso, podemos nos salvar, quando experienciamos esse amor pelas pessoas, independentemente de quem sejam elas. Amando, sou amado. Por Deus, por mim, talvez pelo outro. Reconhecendo a fragilidade do outro, suas lutas internas e externas, reconheço as minhas próprias e me percebo tão humano que até me aproximo mais da mística  que tudo encerra: Amai-vos uns aos outros, como eu vos amei. (JO 15, 12).

Com efeito, ninguém estará perdido (ninguém se perderá de si) se der amor.

Que o Novo Ano nos seja promissor!

Paz e Bem!

Roberto Machado

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